O Congresso norte-americano pode votar a qualquer momento uma lei que vai afetar diretamente os quase um bilhão e meio de terraqueos com acesso à internet. Isto porque a lei vai limitar drasticamente o fluxo de imagens, sons e textos na Web a pretexto de proteger a cobrança de direitos autoriais por parte das indústrias da comunicação, cujo poderio econômico está ameaçado pela liberdade de troca de conteúdos na internet.
O projeto de lei tem repercussão mundial porque afeta, direta ou indiretamente, a maior parte do tráfego de mensagens, dados, imagens e sons que passa por servidores da Web localizados nos Estados Unidos e que terão que se submeter à legislação norte-americana, mesmo que usuários e conteúdos sejam de outros países.
A lei, mais conhecida pelo acrônimo de SOPA (Stop Online Piracy Act – Lei para impedir a pirataria online) é mais uma iniciativa dos republicanos conservadores no sentido de preservar, ou pelo menos frear, o poder das grandes gravadoras, estúdios cinematográficos e editoras cujo modelo de negócios está sendo superado pelo de empresas como Google, Facebook, Twitter, YouTube e centenas de outras empresas da Web que sobrevivem com informações fornecidas por internautas.
Na verdade são dois estilos de fazer negócios que estão em conflito, e que no fundo estão vinculados a duas concepções diferentes de encarar a atividade criativa. O modelo tradicional prioriza a propriedade sobre a criatividade, enquanto a Web se baseia no livre fluxo de conteúdos para promover a diversificação de enfoques e a maior amplitude possível na recombinação de dados, fatos e informações.
Projetos como o SOPA, que segue a mesma linha do Protect IP aprovado pelo Senado norte-americano no início do ano, tem como principal objetivo proteger interesses estabelecidos contra o avanço da modernidade e da inovação. Tentam prolongar o passado contra o avanço do futuro.
O problema é que, sendo uma queda de braço entre a poderosa Motion Picture of America (Sindicato dos estúdios cinematográficos de Hollywood) e a não menos poderosa Google, os que podem acabar sendo mais afetados são os usuários da Web. Estes ficarão à mercê de interpretações produzidas por burocratas norte-americanos sobre iniciativas situadas a milhares de quilômetros de distância, em contextos totalmente ignorados pelos encarregados da aplicação da SOPA, caso ela seja aprovada.
A SOPA deve ser votada até o final do ano e conta com o apoio de organizações poderosas como a indústria farmacêutica, que teme perder o controle de patentes de medicamentos, e até de entidades que nada têm a ver com a propriedade intelectual, como a associação nacional de bombeiros voluntários, cujo medo é a perda do patrocinio de grandes empresas que lidam com direitos autorais.
Por outro lado, há uma enorme mobilização dos usuários da internet nos Estados Unidos e que chegam a quase 2/3 da população do país. É uma batalha política que não vai mudar os rumos da internet porque a rede é o grande motor da inovação na economia digital e a criatividade continua dependendo da intensidade da recombinação de conteúdos, viabilizada pelo livre fluxo de informações. Mas a SOPA pode retardar todo o processo de consolidação da economia digital.
O respeitado professor de Harvard Yochai Benkler, autor do livro The Wealth of Networks (A Riqueza das Redes – ainda não traduzido no Brasil) afirma que a cobrança de direitos autorais eleva o preço final de produtos baseados em capital intelectual e, consequentemente, reduz o fluxo de informações e a criativdade.
Mas o projeto de lei em tramitação na Câmara de Representantes dos Estados Unidos dá ao governo o poder de policiar a Web, muito além das leis que já protegem os direitos autorais, sob a alegação de que a pirataria causa prejuízos da ordem de 135 bilhões de dólares anuais às gravadoras, estúdios cinematográficos e editoras norte-americanas. É este aumento do poder de controle da Web que assusta também os movimentos de contestação política em todo mundo e provoca arrepios nos grupos de defensores da privacidade.
Por tudo isso, a polêmica em torno da SOPA tem tudo para se tornar indigesta para quem perder a votação no Congresso norte-americano.
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